Texto Praia Grande
A mostra “A cidade como identidade” nasceu a partir de 2017 com minhas caminhadas no entorno de meu ateliê Gravurar, localizado no bairro da Vila Mathias em Santos. Caminhar é um processo de trabalho onde coleto plantas para ‘Nature printings’, objetos descartados para impressões e frotagens, além de desenhar e fotografar pessoas, animais e entorno para minhas investigações estéticas.
Ao longo dessas caminhadas, estabeleci com as edificações diálogos afetivos: talvez, pelo efeito da pareidolia, que é um fenômeno neuropsicológico que nos leva a perceber nas formas, linhas e cores, rostos humanos que não existem ali, passei a interagir com as construções como entidades.
Grande parte das construções do bairro datam das décadas iniciais de 1900 e possuem uma história a ser contada. Essas edificações “me falam” da transitoriedade do tempo e das relações construídas entre elas e as pessoas. Algumas relatam os maus tratos, as lutas, os desapegos; outras poucas, me mostram o quão amáveis e acolhedoras podem ser quando preservadas.
Os vínculos afetivos entre as gerações passadas, presentes e futuras estão contidos no diálogo que estabelecemos com essas edificações, com nossa história individual e coletiva, possibilitando a todos enxergarem-se como protagonistas da história. A identidade do povo está contida e preservada no patrimônio arquitetônico e dá à população consciência de seus direitos e obrigações com a sua localidade. É necessário ir além de si mesmo e pensar em questões como: Por que preservar? O que preservar? Preservar para quem?
A utilização de um material descartado como as embalagens cartonadas trouxe mais sentido à essa discussão. Utilizei essas embalagens para minha investigação da ‘Cidade como Identidade’, produzindo matrizes de gravuras originais gravadas e impressas em relevo e côncavo.
As matrizes descartadas carregam vestígios, marcas e machucados de sua história individual, e é esta fragilidade que endossa o dialogo simbólico de reter o tempo, materializar a memória e nossa história coletiva.
Nesta mostra, apresento uma cidade imaginária, recriada a partir de meu diálogo com a cidade real, que nos convida a nos reconhecermos nela.
A cidade é nossa identidade.
Márcia Santtos